Amor d'Água Fresca - 30 Anos Depois. Eurovision Song Contest
Já com a equipa de Amor d'Água Fresca chegada a Malmö, na Suécia, na altura do cocktail de boas-vindas oferecido pela Organização do Eurovision Song Contest (ESC) a todos os países, a RTP lembrou-se de dispensar do mesmo a intérprete e as autoras da música e da letra, isto é a Dina e a Rosa Lobato de Faria, tendo estas ficado retidas no hotel. Atitude grotesca esta, por parte da RTP, que acabou por ser reflectida no desinteresse de alguns jornalistas e comitivas internacionais (o nosso videoclip, assim como a versão em inglês da canção, deram a volta à cabeça a muita boa gente, ficando maravilhados e curiosos). Qual o motivo que levou a RTP a agir com tal desrespeito às pessoas de Dina e de Rosa Lobato de Faria? O que é que por lá, no cocktail, a RTP disse da nossa canção, da sua intérprete e das suas autoras? Qual foi a desculpa esfarrapada que a RTP deu, perante a Organização e restantes convidados, para as pessoas mais importantes da canção portuguesa não estarem lá presentes? Etc., etc., etc.
Dina teve o cuidado de promover Amor d'Água Fresca também em Malmö, levando bastante material de promoção, maioritariamente feito por amigos de Dina. Foi a primeira vez que a participação de Portugal no ESC teve o cuidado de levar material promocional da sua canção. Uma vez que a RTP não levou pessoal (responsável), foi a mesmíssima Dina que, com saco às costas, andou a distribuir o dito material pelos jornalistas e comitivas dos restantes países. Se para Dina "não caíram os parentes na lama", como ela referiu, esta atitude de desembaraço, maturidade e dedicação foi olhada de lado, com desprestígio, por parte de algumas comitivas, que castigaram assim a RTP na altura votação, pelo desrespeito à sua intérprete e autoras.
Na passagem pelo ESC também houve momentos de boa disposição e descontracção, como uma foto que chegou a estar na internet, em que a Dina e a intérprete belga trocam peças de fruta - a Dina, numa "banca da fruta" apresentava à aquela um ananás (seguramente dos Açores, dizia a legenda), - assim como a da foto abaixo, antes da grande noite, onde Dina, com um leve toque de loucura, faz uma reinterpretação de Carmen Miranda, substituindo a cesta de frutos por flores (estas últimas abundantes na versão em língua francesa de Amor d'Água Fresca). Aliás, a simpatia e alma de Dina fazia-se notar por onde passava e eram bem apreciadas.
Chegado o grande momento, a 09 de Maio de 1992, Dina defende a sua canção e País no 37º Eurovision Song Contest, subindo ao palco do Malmömässan na 8ª posição. É de guitarra em riste e voz colocada, com desenvoltura, garra, profissionalismo, boa disposição, irradiando jovialidade, assim como boas vibrações e cumplicidade com o telespectador/câmara, que Dina apresenta dignamente o divertido Amor d'Água Fresca para vários países europeus.
» Recordatório: Amor d'Água Fresca apresenta um vocabulário novo para a temática do Amor: Uma Alegoria do Amor, onde se coloca de lado o sentido literal para se destacar o sentido figurado através de várias imagens metafóricas, em que as características subjectivas que representa cada uma das frutas presentes na letra são destacadas e transpostas para uma relação amorosa. Igualmente, esta canção é vista como um Golem de Frutas - ser animado constituído por inúmeras frutas, - como as mal-amadas figuras da obra de Giuseppe Arcimboldo. Como se constata, a letra é rica em inúmeros recursos estilísticos, mas queremos focar aqui igualmente a Simbologia de uma das três acções positivas da canção, por ser a mais incompreendida: "Meti-te na cesta"; 'cesta' representa o coração, o sítio onde são colocadas delicadamente cada uma das delícias frutais que a Vida brinda(!), como Dina ilustra no Postal Musical que se segue:
Ou então, para assimilar melhor o meti-te na cesta podem ajudar estas outras "mil palavras":
Amor d'Água Fresca ficou em 17º lugar da tabela, entre 23 países participantes, com 26 pontos - por tradição, Portugal no ESC é olhado de lado e as suas canções são muitas vezes desvalorizadas. - Portugal recebeu pontos de Alemanha (8), Israel (8), Jugoslávia (5), Finlândia (2), Grécia (2) e Itália (1). A canção teve na Direcção de Orquestra o Carlos Alberto Moniz. No palco, acompanharam Dina o João Falcato (teclas; sobrinho de Dina, falecido em Julho de 2021), a Cláudia Veloso (coro; prima de Dina), o Mico da Câmara Pereira (baixo e coro), o Vasco Sousa (bateria) e Diana Valente Perfeito (coro). Os três primeiros destes elementos já acompanharam a Dina nesta aventura frutal na semifinal e na final do Festival RTP da Canção.
O palco eurovisivo deste ano é considero por muitos fãs do ESC, eurofãs, como o pior de toda a História, pela inclusão de um barco viking que rasgou o palco, como se de uma placa de gelo se tratasse, e se estagnou no meio do mesmo. Este elemento nada neutro, devido à sua posição e dimensão, era difícil de fugir durante a apresentação das canções, o que prejudicou mais algumas canções do que outras. Os planos escolhidos pela televisão portuguesa, para além de estáticos, monótonos e repetitivos, acabou por não abonar a favor da nossa canção, já que tal monumental figura foi mostrada até a exaustão. Também para muitos fãs, a qualidade das canções deste ESC é o mais baixo da História.
O vestuário de Dina no evento também não foi boa escolha, para os eurofãs. Preto carregado da cabeça aos pés, numa canção alegre, fresca e colorida!? De longe, a forma como Dina se apresentou na final do Festival da Canção era a mais adequada - algumas comitivas internacionais até aguardavam ver a Dina apresentar a sua canção vestida como no videoclip, à Carmen Miranda!
Alguns comentários também apontam como negativo o arranjo de violinos na orquestra, por este não acompanhar o ritmo da canção, opondo-se ao mesmo, desacelerando-o. Isto comparando-o com a base sonora do videoclip. Recorde-se que Carlos Alberto Moniz, já tinha apresentado o mesmo arranjo na final do Festival RTP da Canção. O Carlos, tal como a Dina, tem uma ligação ao Arquipélago dos Açores - a Dina pela ascendência materna, o Carlos por ter lá nascido.
Sendo o ESC um grande evento mundial, há três ensaios obrigatórios, sendo que no segundo ensaio teve o pormenor de Dina ter apresentado uma interpretação bilingue, português-inglês (o refrão e a parte final da canção eram em inglês), mas a RTP não aprovou o seu uso, que até ajudaria à compreensão da canção por parte dos outros países:
Em suma, também na Música não se pode agradar a gregos e a troianos, mas aquilo que é certo é que Amor d'Água Fresca e Dina apresentaram no Eurovision Song Contest 1992 uma proposta ímpar, desempoeirada, muito carismática e catalisadora, com uma letra (Rosa Lobato De Faria) e ritmo ousados e uma interpretação vivaz e expressiva. Características estas que nenhum país europeu pensara que Portugal um ano iria apresentar.
A titulo de curiosidade, fica aqui o resumo das 23 canções participantes no ESC 1992, por ordem de apresentação: