Dina. “Se soubesse que podia dizer ‘não’ teria dito que não ia ao Festival da Canção”
CLÁUDIA SOBRAL - 21/03/2016
O último concerto já foi há três anos e foi um último concerto perfeito. Gonçalo Tocha pediu-lhe mais um, de homenagem, para revisitar “Dinamite” – e fechar um ciclo
Nunca nos entrou na cabeça em crianças por que é que Dina cantava kiwi com u em vez de v. Também queríamos muito uns brincos iguais àqueles, de qualquer forma não foi para falar de “Amor de Água Fresca” que nos encontrámos com ela no São Luiz, em Lisboa, que em 40 anos de carreira cabe muito mais do que isso. É aqui que amanhã à noite Ana Bacalhau, B Fachada, Best Youth, Da Chick, D’Alva, Márcia, Mitó, Samuel Úria, Tochapestana, Manuel Dordio, João Pinheiro, David Santos e João Gil se juntam a Dina para revisitar “Dinamite”, o seu primeiro disco, “álbum seminal da música moderna portuguesa que passou despercebido no seu tempo”, num concerto que (juntamente com o de dia 24, noRivoli) marcará oficialmente o encerramento da sua carreira.
Quando olha para trás qual é o momento mais importante?
Houve vários. Desde 1980, quando participo no Festival da Canção e os próprios jornalistas que estão a cobrir o certame têm necessidade de criar um prémio. O prémio revelação foi criado pelos jornalistas, tenho lá em casa um papel do “Se7e”, do “Correio da Manhã”, dos jornais da altura. Tive vários momentos importantes. Valeu a pena? Valeu. Pena é que tinha vontade de continuar e não posso. Posso como compositora, como cantora está fora de questão.
Tem muitas músicas na gaveta. Alguma dessas merecia mais estar nalgum dos seus discos do que as que ficaram?
É sempre difícil responder a isso. Quando acabamos de gravar um disco já estamos insatisfeitos. Por que é que não fiz aquilo de outra maneira, por que é que fiz assim o disco, com esta faixa em vez de outra?
Depois dessa primeira participação no Festival da Canção grava “Dinamite”.
É o meu primeiro álbum. Estava a trabalhar só focada nesse álbum, não queria festivais nem nada disso. É um álbum que está repleto de coisas fantásticas mas passou um bocado ao lado, quase invisível, porque eu não sabia que podia dizer não.
Está a falar de quando foi pela segunda vez ao Festival da Canção.
Exatamente. Cantar duas canções do LP “Dinamite”, que na altura não queria mesmo. Ainda gravei o “Pássaro Doido” e depois o single “Há Sempre Música Entre Nós”, que era o que eu queria levar ao Festival da Canção – e aí, sim, acho que teria corrido bem, não sei o que aconteceu, se calhar perdeu-se nos corredores, se calhar ninguém a mandou, não me interessa. Para as pessoas a Dina é o “Amor de Água Fresca” e “Há Sempre Música Entre Nós”, mas tenho uma discografia mais vasta e bem puxada. Daí o Gonçalo Tocha ter pegado naquele disco, “Dinamite”, que ninguém sabe que existe - a não ser os curiosos.
Estava a dizer que não sabia que podia dizer não.
Se soubesse que podia dizer “não”, teria dito que não ia ao Festival da Canção. Concorreram com três canções do LP à revelia, sem eu saber. E quando chegaram todos entusiasmados a dizer “apuraram-te três canções”, fiquei zangada. Devia ter dito que não. Não se faz isto, mas aí foi a minha ignorância.
Era outra época.
Claro. Não gostei mesmo nada do que aconteceu, mas achei que não tinha saída. Etinha, isto nos dias de hoje era impensável. Mas a partir daí nunca mais me endireitei. Ainda gravei o “Pérola, Rosa, Verde, Limão, Marfim” mas depois perdi o fio à meada, fiquei desmotivada e foi complicado retomar a confiança. Senti-me traída... Percebi anos mais tarde por que é que isso tinha acontecido.
Mas isso condicionou a sua carreira?
Não foi só isso. Tenho a certeza que fiquei aquém do que poderia ter sido, podia ter feito muito mais coisas. E a culpa aqui não é só disso, houve coisas que não soube gerir. Senti-me sempre um bocado isolada e houve coisas que fiz bem e coisas que fiz muito mal. Mas há uma coisa de que tenho a certeza: nunca defraudei quem gostou de mim desde a primeira vez, porque o trabalho é sempre muito... tem uma marca, tem um registo. E quando o Gonçalo Tocha fez o repto a toda esta gente [para o concerto], eles conheciam-me todos. Não tinham a noção de todo o meu trabalho, mas tinham alguma. Esta malta toda que vai cantar, podiam ser meus filhos. E para mim isto é uma honra, ficarei eternamente grata. Houve uma empatia muito grande quando o Gonçalo descobriu o disco e disse “giro, giro era tu gravares connosco”. Foi aí que tive que lhe contar que estava com um problema respiratório. E foi aí que ele disse: “Então vamos fazer uma celebração da tua música, já que não podes cantar”.
Mas vai cantar pelo menos uma?
Vou, tem que ser.
Qual?
Não digo! [risos]
Tem aquela coisa de num dia lhe apetecer mais uma que outra?
Não, tem mesmo a ver com os problemas respiratórios. Por exemplo, os dias mais húmidos são extremamente complicados. Levanto-me e já terminou o dia para mim. Imagine o que é estar o dia todo dentro de um colete de forças, sempre apertado.
Como é que foi quando descobriu que tinha fibrose pulmonar?
Sabe que os pulmões são um órgão muito emocional e em 2006 perdi dois irmãos, um em março, outro em julho. Perder os pais é uma coisa de que não estamos à espera mas faz parte da vida, os irmãos... eles crescem connosco. E eu sentia aqui um peso, pensei que era angústia, porque não conseguia respirar, fui ao médico e como não sou fumadora ele não viu grande coisa mas disse “vamos fazer uma TAC”. E na TAC não houve sombra de dúvidas. Mas ainda conseguia andar de bicicleta quando ia a Carregal do Sal, sentia-me cansada mas não tanto.
Então quando percebeu que tinha que deixar de cantar?
Há três anos dei o último concerto, na Figueira da Foz. Entretanto perdi outra irmã, em 2012, foi muito complicado gerir porque tive dois meses e pouco para me preparar para isso, desde que ela adoeceu. Mas conseguia fazer os concertos. A 22 de setembro faço esse concerto e parecia que havia ali uma magia qualquer. O casino estava cheio, eu, duas guitarras e um piano. Fantástico. Nem me senti cansada. No dia seguinte estava de rastos. E depois, nos ensaios, percebi que já não conseguia. Não conseguia afinar. Uma pessoa tem que ter pulmão para aguentar a nota. Depois foi piorando e não consigo, não consigo mesmo.
Acha que podia ter sido outra coisa?
Gostava de ter sido médica mas médias, xau, mas gostei sempre muito de música. A primeira vez que peguei numa guitarra, aos 14 anos, comecei logo a tentar compor as minhas coisas, não queria cantar as dos outros. Comecei, logo em duas cordas, a querer fazer aquilo que ia na minha cabeça, portanto acho que mais cedo ou mais tarde aquilo ia revelar-se.
Como é que veio para Lisboa?
A minha irmã mais velha veio cedo para Lisboa trabalhar. Eu vinha de vez em quando, mas definitivamente vim em 1977, 78, para o Senhor Feliz e o Senhor Contente. A minha irmã conhecia bem o João Soares Louro, que nessa altura era presidente da RTP e havia [no “Nico no País das Maravilhas”] uma rubrica para dar lugar aos novos. Fui aos livros lá de casa, encontrei um poema do António Gedeão que musiquei e foi isso que levei ao programa. Depois saiu uma crítica do Mário Castrim, que dizia mal de toda a gente e de mim disse maravilhas. Apresentei-me na Polygram a cantar umas canções num inglês mal amanhado, o Tozé Brito ouviu e disse “tens quem te faça a letra?” Tinha o Eduardo Nobre, que fez o “Guardado em Mim”.
E a história do CDS?
A história do CDS é mais tarde, em 95. Portugal estava num marasmo, mas sempre me estive a borrifar para a política, juro. Só que o Manuel Monteiro sabia que, para fazer passar uma mensagem, era preciso um discurso articulado. E conseguiu passar-me a mensagem: entrarmos no Tratado de Maastricht, deixarmos de ter a nossa moeda, temos que ser questionados em relação a isto. Daí a fazer-lhes o hino foi um passo. Nem cobrei. Mas não estou filiada em lado nenhum.
Já estamos sem tempo, mas não queria que nos despedíssemos sem falar do “Amor de Água Fresca”…
Principalmente para vocês que eram miúdos. Depois do lançamento do “Pérola, Rosa, Verde, Limão, Marfim” lanço o álbum “Aqui e Agora”, que não agitou muito. Então foi aí que pensei: “Tenho que fazer uma canção para ganhar”. E fiz uma canção, pus nos auscultadores da minha filhota, ela cantou, e pensei “está feito”. A Rosinha [Lobato Faria] pôs-lhe o cocktail das frutas e ganhei com uma diferença…
Ontem realizou-se no Teatro Rivoli (Porto) o último concerto DINAMITE - Celebração da Obra e Encerramento de Carreira de Dina. Não foi, de todo, uma despedida. O Ambiente era de festa. Festa da Música, da Cor, da Poesia, numa explosão de sensações e sentimentos... Dai ser tão difícil reduzir o que aconteceu em palavras... Palavras essas, para já, de agradecimento:
- Ao Gonçalo Tocha, o mentor destes concertos em Lisboa e no Porto e por ser o pontífice entre a Música de Dina e a nova geração de cantores da Música Portuguesa, que, no momento do convite, logo deram o seu "Sim!" e abraçaram calorosamente o Projecto;
- À esses mesmos cantores da nova geração: Ana Bacalhau [Deolinda], B Fachada, Best Youth - que "aprenderam" (e muito bem!) a cantar em português, - Da Chick, D´Alva, Márcia, Mitó [A Naifa], Samuel Úria e os Tochapestana. Tanto de profissionalismo e talento como de humildade. Deram eco e o toque pessoal às canções de Dina, tanto na interpretação vocal como na presença em palco. Soberbos!
- À banda de músicos - os DINAMITE: David Santos, João Gil, João Pinheiro e Manuel Dordio. O Quarteto Fantástico;
- À Dina, que mesmo colocada na sombra por alguns, brilha como um sol de verão, que mesmo com limitações de saúde, exala Vida. Estamos sempre contigo! Continua a fazer aquilo que sabes fazer bem, que é compor e (agora dentro do possível) cantar... Para nós;
- Aos fãs, que marcaram presença no São Luiz e Rivoli, tornando este sonho real... E um enorme sucesso!
O Concerto de ontem, ainda com as cortinas fechadas, começou com um "totalmente inédito" de Dina, em voz-off, pela própria. Uma balada que à segunda volta já se trauteava automaticamente o refrão. Ao longo do concerto, um outro "totalmente inédito" de Dina surgiu, mas desta vez foi uma canção a rasgar, interpretada pela nova geração de cantores, sendo a voz principal de Da Chick.
As canções apresentadas foram dos mais diversos estilos, algo que é tão natural em Dina, que surpreenderam positivamente pela forma como, mais ou menos arrojada, foram encarnadas pelos cantores e músicos.
Se tudo correr como o planeado, em breve haverá umas boas surpresas para os fãs, que serão as “palavras” que acondicionam tudo o que de veras aconteceu nos concertos DINAMITE.
Não quero terminar o texto sem destacar o João Dias, criador da pintura a óleo que ilustra o cartaz oficial do Evento, assim como outras e outros que também fizeram acontecer estas duas noites.
Ana Bacalhau, B Fachada ou Samuel Úria são alguns dos nomes que interpretam os temas da cantora sob "batuta" de Gonçalo Tocha
Foi a 22 de setembro de 2012, no Casino da Figueira, que Dina subiu pela última vez a um palco. Já lá vão quase quatro anos e desde então a cantora de Amor de Água Fresca, com a qual venceu o Festival da Canção de 1992, não mais voltou a atuar em público. Hoje regressa ao palco acompanhada de 15 músicos da nova geração, num misto de despedida e passar de testemunho num espetáculo - Dinamite - idealizado por Gonçalo Tocha, músico e realizador.
Ana Bacalhau (Deolinda), Mitó (A Naifa), Márcia, Da Chick, Samuel Úria, B Fachada, D"Alva, Tochapestana e Best Youth são alguns dos músicos em palco acompanhados por uma banda especialmente formada para esta ocasião, composta pelo guitarrista Manuel Dordio (They"re Heading West), o baixista David Santos (Real Combo Lisbonense e Tv Rural), o baterista David Pires (Pontos Negros) e o teclista João Gil (Diabo na Cruz, YCWCB e Vitorino Voador).
Apesar das baladas que a tornaram famosa, a obra de Dina vai muito para lá dos êxitos mais conhecidos, passando por estilos tão diversos como a canção de intervenção, a pop, a folk ou o rock. "É precisamente esse legado que se pretende celebrar", explica o músico e realizador Gonçalo Tocha, criador do espetáculo. Tudo começou há cerca de dois anos, quando Gonçalo pediu autorização a Dina para gravar uma versão dePássaro Louco, no disco de estreia dos Tochapestana. "Quando nos conhecemos sentimos logo uma grande empatia. Convidou-me para cantar, mas expliquei-lhe que não podia devido à doença", lembra Dina, que no entanto acabou mesmo por participar no disco. "Gostei muito da experiência, não só porque me senti completamente em casa, naquele ambiente de estúdio, mas especialmente por ter sido um momento de grande troca de afetos", afirma. Acabaram por ficar amigos e, aos poucos, a ideia de fazer um espetáculo de despedida para Dina começou a tomar forma na cabeça de Gonçalo, especialmente depois de Dina lhe ter oferecido a sua discografia.
"Confesso que não conhecia. O Dinamite, por exemplo, passou completamente ao lado do público na altura, mas era uma verdadeira obra-prima, bastante moderno para o seu tempo, pelo modo como mistura rock, funk e pop", admite Gonçalo, para quem há uma outra Dina, "muito para lá da imagem cristalizada das baladas e da guitarra acústica", ainda à espera de ser descoberta. "Quando as pessoas estão invisíveis, há muito mais para dizer. Não me interessava por isso recordar a história mais conhecida da Dina, mas antes contar aquilo que poderia ter sido se, por exemplo, esse disco tivesse sido ouvido com a atenção merecida na altura certa."
Nova leitura da obra
O espetáculo que hoje sobe ao palco do São Luiz e na quinta se repete no Teatro Rivoli, no Porto, é o resultado de ano e meio de trabalho. "Comecei por desafiar os músicos e só depois escolhi as músicas para cada um deles. A variedade da obra de Dina permitiu-me escolher um grupo de artistas muito heterogéneo. Alguns, como o B Fachada, o Samuel Úria, a Mitó ou a Ana Bacalhau, conheciam muito bem a obra da Dina, mas outros, como a Da Chick, que vai cantar dois temas mais funk, de início dos anos 80, não conheciam quase nada", explica Gonçalo. O único critério, além da variedade, foi serem artistas abaixo dos 40 anos, não contemporâneos de Dina, que cumpre 60 anos e 40 de carreira neste ano, de modo a dar "uma nova leitura" à sua obra.
Além da interpretação integral do primeiro álbum, Dinamite, os convidados irão ainda cantar "versões completamente novas" de mais outras 12 canções, escolhidas pelos próprios juntamente com Gonçalo Tocha. Foi "um orgulho" para Dina perceber que, melhor ou pior, todos eles conheciam o seu trabalho. "Lembro-me de que quando conheci o Fachada, há quatro anos, ele me apareceu com os meus primeiros dois discos debaixo do braço. São momentos que me deixam muito orgulhosa." Tal como o elenco deste espetáculo, composto, na opinião da cantora, "por artistas muito descomprometidos com o sistema, que têm trilhado o seu caminho com muita qualidade e autonomia. São comprometidos, isso sim, com o seu público e a sua música e isso é a maior liberdade que um artista pode ter", sublinha.
Uma despedida em beleza
O espetáculo serve também para Dina se despedir de vez dos palcos, como a própria assume. "Foi-me diagnosticada fibrose pulmonar há uns anos. É uma doença irreversível que, apesar de estar controlada, me impede de cantar devido ao cansaço e à tosse. A voz está perfeita, mais apurada até, mas a respiração não me deixa cantar", explica ao DN. "Sempre pensei que gostaria de dar uma explicação ao público para este súbito desaparecimento. Por isso, quando o Gonçalo me pediu autorização para fazer o espetáculo, aceitei logo e prometo que vou mesmo subir ao palco cantar um ou dois temas. É lindíssimo ter uma despedida assim, com as minhas canções a serem cantadas por estes artistas tão talentosos."
Para Gonçalo Tocha, trata-se, isso sim, de "um encerramento de carreira muito digno", com um espetáculo que não só recupera o repertório mais desconhecido da cantora como também o apresenta a um público mais novo. "A Dina foi a primeira grande compositora da pop nacional e esta dualidade de ter toda uma nova geração de músicos a tocar a sua música é muito importante. É isto que dá valor artístico e histórico a estes concertos."
Teatro São Luiz, Lisboa, hoje às 21.00 Bilhetes de 9 euros a 17 euros
Teatro Rivoli, Porto, 24 março, quinta-feira, 21.30. Bilhetes a 10 euros
É outra vez tempo de descobrir Dina, cantora de toda a gana
GONÇALO FROTA
Afastada dos palcos devido a problemas de saúde, Dina é homenageada por um conjunto de músicos capitaneados por Gonçalo Tocha, esta terça-feira em Lisboa, quinta-feira no Porto. O espectáculo de encerramento da carreira da cantora volta a apresentarDinamite, o disco que ficou por ouvir.
Gonçalo Tocha descobriu Dina entalada entre Julio Iglesias eTintarella di Luna numa colectânea das Selecções do Reader’s Digest. E escrevemos que descobriu porque aquela Dina rockeira não era a cantora que qualquer nascido na década de 1970 conhece de cor dos tempos áureos do Festival da Canção. Tocha, um assumido apaixonado e garimpeiro de discos de cantores desconhecidos, entusiasta de um lado B da história da música popular, ficou fascinado com a canção Pássaro doido e com uma faceta de Dina que remetia, afinal, para essa história alternativa que não vingou.
O entusiasmo foi tanto que o seu duo de música popular Tochapestana procurou Dina para lhe pedir a bênção para a versão de Pássaro doido que queriam incluir no álbum Música Moderna. “Nunca tinha imaginado que iria conhecer a Dina um dia”, confessa Tocha numa conversa a três com o PÚBLICO e a cantora num café em Alfornelos, perto da casa da voz de Amor de água fresca. “Liguei-lhe para falarmos com ela e tinha a esperança de que se o nosso encontro corresse bem podíamos ter a sorte de ela participar na canção.”
Dina (Ondina Veloso de seu nome) não estava propriamente a contar com cantorias do seu lado, achava-se antes “superencantada por malta desta idade conhecer o Pássaro doidoe querer regravá-lo”. “Fiquei inchadinha, orgulhosa e gostei logo deles pela forma como me abordaram.” Mas perante a intenção dos Tochapestana em levá-la para estúdio, teve de alertar Tocha para as suas limitações físicas, decorrentes de uma fibrose pulmonar que a afastou dos palcos. “É tramado até para quem fala, quanto mais para quem canta”, ri-se Dina. Só que o à-vontade com o duo foi tão instantâneo que puxou da sua melhor voz de mulher do rock e gravou o tema à primeira, surpreendendo-se até com a sua prestação. “Fiquei muito grata”, lembra a cantora. “Durante três dias respirei tão bem...”
Seria Dina, mais tarde, a passar a Gonçalo Tocha o álbumDinamite – sucessor do single Pássaro doido/ Amar sem aviso.Mais uma vez, Tocha ouvia ali uma grandiosidade apenas proporcional à injustiça do seu apagado lugar no panteão da música portuguesa e, tomando contacto com a obra da cantora para lá das canções firmadas no imaginário popular, o músico e realizador foi percebendo que Dina se retirara dos palcos sem um merecido momento de celebração e de homenagem. Sem poder contar com a voz em palco da grande protagonista, Tocha juntou uma chusma de cantores – Ana Bacalhau (Deolinda), Márcia, Samuel Úria, B Fachada, Alex d’Alva, Da Chick, Catarina Salinas (Best Youth), Mitó (A Naifa) e os próprios Tochapestana – nos concertos que esta terça-feira em Lisboa (Teatro São Luiz) e quinta-feira no Porto (Rivoli) marcam o encerramento da carreira de Dina.
Não por acaso, o espectáculo intitula-se Dinamite. O álbum homónimo, lançado em 1982, tinha por missão apresentar Dina para além da “miúda de calças de ganga, colete e guitarra”, como a própria se descreve, a que o país se rendera dois anos antes ao vencer o festival com Guardado em mim. “Dinamite seria a minha afirmação como cantora e compositora”, lembra Dina. “Mas foi mesmo uma coisa dolorosa. Não queria mais festivais, queria dedicar-me ao álbum e, de repente, sem ser tida nem achada, vejo três canções submetidas ao Festival da Canção, apuraram duas e mataram o álbum. Não se podia misturar as coisas e o meu primeiro álbum não podia passar por ali.”Dinamite ficaria reduzido, aos ouvidos do público, ao Gosto do teu gosto, que perderia o festival para o duelo entre as (vencedoras) Doce, com Bem bom, e Cândida Branca Flor, comTrocas e baldrocas.
“Gosto do teu gosto”, diz Dina, “era uma fruta fresca, uma canção muito leve” que tinha composto na Bulgária e que só por insistência de António Pinho ganhou uma letra, uma vez que a autora a imaginava como instrumental. “Ainda por cima é uma canção gira, mas cansativa como tudo”, diz. “Só que não revela o disco.” Ao invés de chamar a atenção para os diferentes registos que Dinamite explorava e que pretendia lançar uma nova luz, mais abrangente, sobre a natureza de Dina enquanto compositora e intérprete, a canção a que as rádios naturalmente deitaram a mão limitava-se a confirmá-la como a cantora dos festivais, votando o resto do álbum ao esquecimento e deixando Dina profundamente magoada com todo o processo. “E é pena”, comenta Tocha. “Acho que se o álbum tivesse sido ouvido na altura, tinha sido um marco da época, porque era uma mulher compositora a fazer tudo aquilo, do rock muito bom ao funk. É um álbum muito poderoso, com atitude.”
Há, por isso, neste espectáculo, uma espécie de ajuste de contas com o passado. Ou, melhor dizendo, uma nova apresentação de Dina ao público tal como deveria ter acontecido com o lançamento original de Dinamite. Sem travo passadista, mas uma nova oportunidade de Dina se voltar a libertar e mostrar “outras coisas em que se via que era uma cantora com uma atitude bem mais solta e marada da cabeça”.
A gana lá dentro A gravação em 2014 com os Tochapestana “veio agitar emocionalmente coisas que já estavam de lado”. Recordações que Dina guardara a um canto, longe da vista, depois que o diagnóstico de fibrose pulmonar há nove anos – coincidindo temporalmente com a morte de uma irmã – a aconselhara a recato. Foi para não agravar o seu estado de saúde, precisamente, que em 2012 “arrumou as chuteiras”. Embora ainda encontre diariamente razões de sobra para compor novas canções, e sonhe ainda com a edição de um álbum inédito que recuperaria temas de 2002 e “algumas canções mais recentes muito bonitas” que daria a cantar a outras vozes, a música carrega tanta felicidade quanto frustração na sua vida.
Dina não apenas sabe que a sua carreira poderia ter sido outra, como as actuais limitações físicas a obrigam a desabafar a falta de sentido na sua condição – “que coisa tão má de se fazer a uma pessoa que gosta de cantar”, diz, sem verbalizar o destinatário. Pensa na longevidade de palco de Simone de Oliveira e pergunta-se porque não lhe coube a mesma sorte. Em momentos mais sensíveis, como lhe aconteceu recentemente numa viagem de carro em que o rádio desatou a debitar uma canção de LeAnn Rimes, não conseguiu conter-se. “Era uma canção em que ela puxa pela voz e vai lá acima, e aquilo desencadeou-me um ataque de choro, porque eu ia lá acima também”, conta. “E agora nem lá abaixo”, acrescenta com um humor que, assegura, a tem mantido longe de depressões. “É só esta grande chatice de não poder cantar, não poder exercer a minha profissão. E fica-se triste.”
Para se proteger, Dina adoptou uma dieta composta sobretudo por música instrumental: música clássica – “Não os Mozarts, que esses são obrigatórios e a gente conhece”, esclarece – e jazz interpretado por gente como Keith Jarrett ou Chet Baker, permitindo-se também dar ouvidos a Billie Holiday e Ella Fitzgerald. Num outro quadrante, de resto, foram as sonoridades norte-americanas e inglesas a cativá-la. Quando começou a cantar, nem tinha um especial gosto pela música portuguesa; era a música de Janis Joplin, Carole King, Creedence Clearwater Revival, Carly Simon, Eric Clapton, Elton John, Genesis ou “o álbum dos Pink Floyd das vaquinhas” que a faziam querer seguir-lhes as pisadas. Mesmo não percebendo “patavina do que diziam”, a atitude, a voz do cantor e a forma como se projectava na canção funcionavam como sedução.
Não espanta, assim, que Gonçalo Tocha oiça também na forma como aborda as canções algo de singular. E diz-lhe, olhos nos olhos: “O ataque que tu tens na frase, a forma como te atiras à letra é uma coisa rara nos dias que correm, em que há uma tendência para suavizar tudo para ficar agradável. Tu tens o agradável mas com toda a gana lá dentro.”
Na televisão
Tocha, o principal impulsionador deste espectáculo que leva Dina a fechar a carreira na mesma sala onde começou (o Festival da Canção realizava-se no São Luiz), identifica-a como a primeira cantora-compositora no feminino a abraçar a canção pop em Portugal. Para a sua geração, Dina era uma figura de constante presença televisiva. “Nessa altura [toda a década de 80, na verdade], aparecia muitas vezes na televisão, até já andava enjoada de mim mesma”, comenta a própria. Mas o certo é que esse período fez de Dina alguém de uma popularidade tão extraordinária que parecia íntima de qualquer lar português. “As primeiras memórias que tenho da Dina andam algures pelo final dos anos 80, início dos anos 90, com as inescapáveis Amor de água fresca e Há sempre música entre nós”, diz ao PÚBLICO Ana Bacalhau. “Ficou a ideia de uma cantora de canções orelhudas, dona de uma voz muito bonita e segura. Só mais tarde pude conhecer melhor o seu reportório e perceber a importância e diversidade do seu trabalho para a música portuguesa.”
E as canções orelhudas sempre foram, de facto, o forte de Dina. “As minhas músicas nunca são muito difíceis”, reconhece, lembrando que foi Jorge Palma a gravar “em três tempos” o piano de Guardado em mim. “Mas a simplicidade não quer dizer que seja banal.” A absoluta consciência dessa capacidade de atalhar no sentido do gosto popular através da melodia ficaria provada no seu regresso ao Festival da Canção em 1992, depois de um longo interregno discográfico – depois de Dinamite, Aqui e Agora, foi lançado apenas em 1991, na altura em que iniciou as colaborações com Rosa Lobato de Faria e João Falcato; por piada, classifica os álbuns como “bastante espaçados e passados”.
Após um lançamento pouco visível de Aqui e Agora pela UPAV (União Portuguesa de Artistas de Variedades), em que por “necessidade de afirmação se lançaram sete discos” de vários dos associados, entre José Mário Branco, Rodrigo ou Carlos do Carmo, a rádio, ainda assim, agarrou-se com unhas e dentes aAcordei o vento. Mas sentindo novamente que a atenção lhe escapava, Dina resolveu agitar as águas e virou-se para o terreno que conhecia melhor. Amor de água fresca, tema com que concorreu ao Festival da Canção, foi feita com o propósito claro de vencer. Se tinha a certeza de que assim seria depois de juntar acordes e melodia, mais certa ficou quando recebeu de Rosa Lobato de Faria o “cocktail de frutas” na forma da letra. Não falhou.
A partir daí, depois de uma primeira experiência em Vila Faia, Dina passa a compor sobretudo para bandas sonoras de telenovelas (Telhados de Vidro, Filha do Mar, Sonhos Traídos), como que reforçando a ideia de que a sua música encontra sempre um caminho até à televisão. Mas porque Dina revela um especial gozo e facilidade em responder a encomendas, quer para telenovelas quer para partidos políticos – a convite de Manuel Monteiro compôs para o CDS e para a Nova Democracia. Mas nestas duas datas, terça e quinta-feira, a intenção é a de que, seDinamite não apresentou Dina na altura devida, possa agora ser integrado no cancioneiro popular pela mão de uma outra geração. “Não é voltar atrás”, frisa Tocha, “é dar vários passos à frente”.
Um grande Bem-Haja a todos estes Sítios e aos outros aqui não mencionados, mas que também deram eco deste Evento.
Um enorme Bem-Haja também a ti, Dina, por nos teres brindado com as tuas canções ao longo destes 40 anos. Foram elas, com o teu timbre e o teu estilo único e autêntico, motor e inspiração para a nossa Vida, por vezes (também) emperrada. Mesmo para aqueles que não sabem de quem é a música que estão a ouvir – a tua, - vincas um antes e um depois, através dela, na vida deles, na vida de cada um que te ouve.
Se se pode denominar de erro, o teu "erro" foi mesmo teres tido coragem para seres pioneira em Portugal, em áreas reservadas ao universo masculino:
- A primeira mulher que compõe as suas próprias canções;
- A primeira mulher mediática a levantar a voz contra a discriminação sexual;
- A primeira mulher a compor e a interpretar um hino para um partido político.
Dentro do possível, as melhoras e continua a deliciar-nos com as tuas composições e voz.
É o final da carreira da cantora, a 22 e 24 de março. A despedida, em Lisboa e no Porto, terá outros artistas a reinterpretar as canções de Dina, que recorda ao Observador momentos chave da sua vida.
Por: Pedro Paulos (17 de Março de 2016)
A lista de convidados é generosa: Ana Bacalhau, B Fachada, Best Youth, D’alva, Da Chick, Márcia, Mitó, Samuel Úria e os Tochapestana. Vão todos estar no Teatro S. Luiz em Lisboa, no dia 22, e no Teatro Municipal Rivoli no Porto, a 24 de março. Serão concertos especiais e vão assinalar a despedida de Dina, uma celebração da carreira da cantora e compositora com as vozes de outros músicos e canções de todos os seus discos – sobretudo do primeiro, “Dinamite”, de 1982, que será interpretado na íntegra.
Os concertos são ideia de Gonçalo Tocha (Tochapestana), que queria homenagear a cantora. Há muito que o músico conhecia “gente que gosta da Dina”. “Devolver a obra dela às gerações mais novas” foi a ideia que o cativou e que também entusiasmou a cantora. “Para já, todos eles sabem perfeitamente quem eu sou. Todos eles conhecem muito do meu trabalho. Uns uma parte, outros outra, mas têm carinho pelo que fiz”, confessou-nos Dina. Toda uma geração mais nova de músicos pop une-se para o adeus a uma das grandes cantoras do “país dos estigmas”, como ela o classifica. São esses estigmas que, para Dina, explicam o desconhecimento geral em relação ao seu trabalho, cujo destaque incidiu sempre em uma ou duas canções. “As pessoas pensam que há só o ‘Há Sempre Música Entre Nós’ e a música da fruta (‘Amor de Água Fresca’). Mas há mais.”
Já há algum tempo que a cantora tem andado afastada das canções e dos palcos. Em conversa com o Observador, contou-nos o motivo desse desaparecimento: “Tenho fibrose pulmonar há 9 anos, uma doença irreversível. [por causa da doença] Já não tenho capacidade pulmonar para suster uma nota. Canto uma canção e fico muito cansada.” É por isso que “estes concertos servem para dizer um ‘xau’ aos palcos. Não perdi a capacidade de compor mas a de cantar, essa perdi-a. Apesar do aparelho vocal estar bestial, o mesmo não se pode dizer do meu sistema respiratório.” Acrescenta ainda que ficou “aquém” do que tinha imaginado, que podiam “ter acontecido muito mais coisas” com o percurso que construiu. “Algumas coisas não aconteceram por minha culpa, mas noutras não tive culpa nenhuma”, diz.
Quinteto Angola
Depois do 25 de abril e em pleno processo de descolonização, chegaram a Carregal do Sal, onde Dina vivia (e onde nasceu, a 18 de junho de 1956), alguns grupos de retornados, vindos de Angola ou Moçambique. Dina, que nunca largava a guitarra e a levava todos os dias para a escola, acabou por conhecer os colegas com os quais viria a tocar, os mesmos que tinham chegado de África: “Já tocavam todos juntos em Angola. Tocavam música instrumental e música africana.” Foi o primeiro contacto de Dina com essas sonoridades. Ficou deslumbrada, “fascinada com aquele ritmo, com aquela coisa toda”, recorda.
Foi preciso pouco tempo até a banda perceber que precisava dela. “Eles precisavam de alguém que fizesse um equilíbrio para aquilo não ser só música africana, sobretudo por ser em Carregal do Sal.” Não se tratava de uma questão de preconceito, diz, era antes uma decisão de mercado: “Juntaram-me e acrescentaram música pop ao reportório porque era preciso conquistar mais público. Não era comum na altura mas eu e mais cinco homens fizemos espetáculos desde Vilar Formoso até Coimbra. Era uma novidade.” De tal maneira assim era que, muitas vezes, quem estava em frente ao palco observava admirado para o que se passava, sem prestar atenção à música: “Muitas vezes pegava na guitarra e as pessoas não dançavam, ficavam a olhar. Era uma coisa estranha para uma rapariga de 18 ou 19 anos nos anos 70 andar a fazer mini-digressões por terras da Beira Alta.” Havia dificuldades e incerteza mas também havia “fascínio”. “Éramos muito miúdos, muito mais inseguros, muito mais tudo, mas eram 500 escudos por concerto, para quem estava em casa dos papás aquilo era fantástico.”
Primeira oportunidade
Sozinha, já fora do Quinteto com o qual tocara, foi em 1975 ou 1976 — já não se recorda ao certo da data — ao programa “Nicolau no País das Maravilhas”, o mesmo que apresentava a rubrica “Sr. Feliz e Sr. Contente” de Nicolau Breyner e Herman José, e onde havia um espaço que dava uma oportunidade aos mais novos. Na altura era bem jovem e ainda morava em Carregal do Sal. Apresentou-se na televisão com um tema original. Como na altura ainda não conhecia nenhum letrista, a letra escolhida foi a de um poema de António Gedeão. Mário Castrim (jornalista e crítico, que morreu em 2002) viu este programa e fez uma crítica destrutiva do mesmo. Dina recorda esse momento: “Arrasava com o programa mas tinha uma ressalva: quem tinha de facto brilhado tinha sido uma jovem, de seu nome Ondina Veloso.”“Forma de Inocência” é o nome do poema de Gedeão que Dina cantou nestes seus primeiros minutos de fama:
Hei-de morrer inocente exactamente como nasci. Sem nunca ter descoberto o que há de falso ou de certo no que vi. Entre mim e a Evidência paira uma névoa cinzenta. Uma forma de inocência, que apoquenta. Mais que apoquenta: enregela como um gume vertical. E uma espécie de ciúme de não poder ver igual.
Segunda oportunidade
Dina não quis enviar cassete para nenhuma editora. Não foi capricho nem mania, foi simplesmente o medo que a tal cassete ficasse esquecida em alguma gaveta. Conseguiu marcar uma reunião na Polygram, onde foi recebida por Tozé Brito. “Foi muito surpreendente quando ela apareceu, porque não foi como se ela viesse do mesmo local das outras pessoas. Ela não vinha de Lisboa e ninguém a tinha ouvido cantar. Vinha do Norte, de Carregal do Sal, nervosa mas a tocar e a cantar muito bem, a mostrar canções que ela própria escrevia e que de imediato me impressionaram”, contou-nos o antigo editor discográfico.
Dina apareceu de guitarra às costas, cumprindo todos os estereótipos de quem procura convencer alguém com cantigas. Cantou-lhes versões em inglês de músicas que viriam a formar o seu disco de estreia, com letras novas em português. Na altura conversou com a cantora sobre a sua prestação: “Fogo, cantas muito bem. Esta música é muito bonita”. Impressionou-o bastante, conta Tozé Brito: “A Dina foi daqueles casos de amor à primeira vista”. Arrebatou o A&R da editora e as outras pessoas que lá trabalhavam, que espreitavam pela porta. Tozé Brito percebeu rapidamente que havia talento nas canções de Dina: “Quando ela começou a tocar fiquei admirado, gostei imediatamente da voz dela, muito. Ela tinha, e ainda tem, uma voz lindíssima. Cantava bem, interpretava bem e, ainda por cima, compunha as próprias canções. Tinha tudo para dar certo.” Tanto que, se bem se recorda, ficou tudo decidido naquela reunião: “Logo quando a ouvi disse-lhe: ‘Dina, vamos em frente. Queremos assinar contrato. Queremos-te cá connosco’.”
O Primeiro Festival
A primeira participação de Dina no Festival da Canção aconteceu ainda antes de ter lançado qualquer disco. Foi com uma gravação que nunca chegou a editar — feita com Jorge Palma ao piano e Ramón Galarza na bateria — que se apresentou, conseguindo a aprovação do júri para participar no festival. A música era “Guardado em Mim”, uma das que tinha mostrado a Tozé Brito mas desta vez numa outra versão, já em português. Recorda-se dos elogios de pessoas como Simone de Oliveira: “’Esta miúda canta, tem uma voz fabulosa’, disse ela”. Começou com alguma inocência, mas nesse ano de 1980, apesar de não ter conquistado o primeiro lugar, recebeu o Prémio Revelação, que era habitualmente entregue pela crítica.
Dinamite
O passo decisivo em direção a um caminho mais adulto surgiu pouco depois. “Dinamite” foi o título escolhido para o primeiro disco de Dina e, também, o único a ser tocado na totalidade nestes concertos de despedida que passam pelo São Luiz e pelo Rivoli. Lançado em 1982, tinha como single a música “Pássaro Doido”. Esta música, com um andamento diferente das que até aí lhe estavam associadas, era “mais a abrir” — palavras da própria Dina, que coloca o tema entre géneros como o disco e o funk.
[o primeiro single de “Dinamite”, “Pássaro Doido”]
As coisas boas sucediam-se, depois do sucesso do Festival da Canção, do disco e de uma digressão com as Doce. Tudo estava a acontecer mas sentia-se abandonada, talvez por ser mais “auto suficiente”. “Supostamente era aqui que tudo ia começar”, conta, mas a editora inscreveu três temas deste disco no Festival da Canção, duas foram aprovadas: “Gosto do teu Gosto” e “Em Segredo”. “Ignorância da minha parte. A partir do momento em que me inscreveram, à minha revelia, ficou a parecer que o ‘Dinamite’ tinha apenas a ‘Gosto do teu Gosto’. A verdade é que as restantes músicas do disco são melhores e até surpreendentes.” “Podia ter atingido um mercado que na altura pretendia e não me ter dispersado tanto”, confessa-nos. Apesar disso, para Tozé Brito é “um belíssimo álbum, muito actual. A Polygram, que hoje em dia é a Universal, poderia e deveria reeditá-lo — sobretudo nesta altura em que Dina irá ser, de forma merecida, homenageada.”
A capa do álbum “Dinamite”, de 1982
Quando as nuvens choraram
Um ano depois de ter colocado um primeiro álbum nas lojas, Dina lançou um dos seus singles de maior sucesso: “Pérola Rosa Verde Limão Marfim” em 1983 e depois desapareceu: “Apaixonei-me e tive uma filha. Fui deixando as coisas acontecerem.” Apesar de ter dado concertos, acabou por deixar um pouco de parte o showbiz. Entre 1983 e 1991 não lançou nenhum disco. Ainda assim, continuou sempre a compor e a trabalhar com outros músicos.
[veja a participação de Dina no “Tal Canal” e a interpretação de “Pérola Rosa Verde Limão Marfim”]
Um dos casos mais marcantes foi o dueto com Carlos Paião no tema “Quando as Nuvens Chorarem”. “O Carlos estava a preparar o álbum dele. Era uma pessoa muito querida. Compôs para muita gente, era engraçado e escrevia muito bem.” O disco em questão era “Intervalo”, que acabaria por ser o último do músico, editado em 1988, depois da morte de Paião, em Agosto. Dina recorda, emocionada: “Nunca mais me esqueci que ele morreu no dia do incêndio do Chiado. Foi um dia tenebroso. Cheguei a casa, tinha ido não sei onde, e o meu irmão mais velho estava lá. Disse-me: ‘Dina, aconteceu aqui uma coisa’. E eu, assustada: ‘Mas o que é?’ — já estava o incêndio a acontecer — ‘Morreu o Carlos Paião’. Ele conta-me aquilo e foi um choque. Ele teve cuidado a contar, mas não é o tipo de notícia que esperamos. Sobretudo tendo ele aquela idade, é muito injusto. Foi muito injusto.”
O álbum acabaria por só ser lançado após a trágica morte do artista. A música em que faz dueto com Carlos Paião foi usada como single do álbum póstumo. “A canção ficou marcada pelo inevitável peso da tragédia”, explica-nos a cantora. “É uma balada e tornou-se um tema ainda mais melancólico. É muito pesada, muito bonita”.
[recorde o dueto de Carlos Paião com Dina]
Peguei, trinquei e meti-te na cesta
De regresso aos discos, em 1991, acabou por lançar, já noutra editora, o álbum “Aqui e agora”. Um novo registo que foi, a seu ver, “menosprezado e ignorado pelos meios de comunicação”. “Tem canções óptimas mas não aconteceu assim grande coisa”, lembra. Frustrada com a receptividade ao novo disco, decide voltar a participar no Festival da Canção de 1992, 10 anos depois depois de prometer a si mesma que não o voltaria a fazer. “Em 1982 não queria ir e foi à minha revelia que as canções apareceram no festival”, diz-nos hoje, ainda desapontada com a decisão da editora. Mesmo assim, uma década mais tarde, decidiu participar e mostrar quem era. “Ainda havia interesse dos media [no Festival da Canção], que era o que me interessava também.” Assumiu um único objectivo: “Vou fazer uma canção para ganhar.”
Já conhecia Rosa Lobato Faria, “que fez aquele belo cocktail que cantei. Queria ganhar, desta vez é que tinha de ser. E foi”. O provérbio esteve certo e à terceira vez Dina foi a vencedora com “Amor De Água Fresca”, a canção mais popular de toda a carreira da cantora. “A diferença foi tal na pontuação, que nunca tive ninguém no meu encalce” — a cantora tinha conseguido cumprir o seu objectivo. E como encontrou Dina a chave para vencer, naquele ano, o Festival da Canção? “Andei a trabalhar numa fórmula de canção que fosse fácil de entrar no ouvido. Debrucei-me sobre isso, tentei criar um refrão forte.” Percebeu que podia estar perto de chegar onde queria quando a filha, na altura com 3 anos, começou a trautear a música depois de ouvir a primeira maquete da canção. Até porque, na opinião da própria cantora, trata-se de uma “canção quase infantil. Os miúdos adoraram, até mais que os adultos. Houve ali uma empatia muito grande”.
[Dina no Festival da Canção de 1992]
O próximo destino era Malmö, a cidade sueca que acolheu, nesse ano, a final do Festival da Eurovisão. Lembra-se que ficou arrebatada: “Aquilo era um pavilhão imenso, com áreas para jornalistas, refeição e ensaios. Fiquei lá uma semana e cada vez ia ficando mais nervosa. Quando chegou o ensaio geral, altura em que é feita a votação, eu tremia. De repente começamos a ter a noção do que estamos ali a fazer, do que estamos a representar. Lembro-me que comecei a sentir uma fraqueza, quase que a sentir uma quebra de tensão, alguns minutos antes de chegar a minha vez. De repente, bateu a insegurança e pensei: ‘Mas o que eu estou aqui a fazer? Porque é que eu me meti nisto? São milhões de pessoas que estão a ver, se tu falhas é horrível!’ Entrei e estava nervosa. Mas depois dos primeiros compassos tudo foi passando.”
Depois de tocar para milhões de pessoas que viam o programa na televisão, faltava saber qual a sua classificação. Recorda que “aí é que ia mesmo tendo uma quebra de tensão, não estava nada à espera do que aconteceu”. Ficou em 17º lugar, entre 23 participantes. “Mas gostei muito de participar. Há ali uma festa, um agitar, inesquecível, movimentaram-se muitas emoções.”
O Hino do CDS-PP
Pouco depois de “Amor de Água Fresca” e do Festival da Canção, estava em casa, a ver televisão, e ouviu Manuel Monteiro, então líder do CDS-PP, a discursar na televisão. Identificou-se com o que dizia o político e resolveu telefonar só para dar os parabéns ao presidente do partido. “Receberam a mensagem”, recorda, “e não se esqueceram mais de mim”. Quando estavam a criar o seu hino, os responsáveis do CDS ligaram para Dina os visitar e para dar a sua opinião. Hesitante, segurou-se à ideia que diz que “temos que ter um lado cívico, e acabou por se envolver — musicalmente — na política, num “partido um pouco diferente do que é agora”. Não gostou nada do hino que tinham, tanto que resolveu oferecer um outro de sua autoria, mais uma vez com letra de Rosa Lobato de Faria, o tema “Para a Voz de Portugal ser Maior”. “E fiz a campanha, claro”, aponta. Apesar do hino gratuito, foi paga pelas atuações.
E muito mais
Lançou mais discos. Primeiro, em 1993, uma regravação de músicas antigas, para tentar que as pessoas as conhecessem finalmente. Em 1997 lança “Sentidos”. Depois, passado mais uns anos, gravou músicas que ao longo dos anos tinha composto para novelas, mais “orgulhosamente” para a “Filha do Mar”, a primeira da TVI, para a qual escreveu três temas. “O meu primeiro disco de ouro é o da ‘Filha do Mar’”, confessa-nos. E, para aproveitar o balanço das canções da novela, decide lançar um disco de inéditos. Quando já ia a meio da gravação dos instrumentais, teve um acidente na A5. Esteve mês e meio no hospital. “Ficou tudo trocado, as coisas já não aconteceram como estavam programadas. Atrasou tudo e depois tudo mudou. Apareceram inseguranças e hesitações” e o disco acabou por nunca acontecer. Nesse ano foi apenas lançada uma compilação do seu trabalho.
Em 2006, há dez anos, descobriu a fibrose pulmonar. Mas só começou a perceber as suas limitações entre 2009 e 2010: “Comecei a sentir que estava a ficar cada vez mais cansada.” Continua a piorar enquanto enfrentava algumas tragédias familiares. O seu último concerto foi a 22 de Setembro de 2012 — “correu bem, senti algo mágico, algo especial” — um mês depois da morte da sua irmã. “Jurei que a Mimi estava lá comigo, de certeza’”, contou-nos emocionada. Desde essa altura que tudo ficou mais difícil, “senti que não tinha projeção e quando não há projeção não na afinação, fica cansada, não tem força, tudo se torna incomportável”. Decidiu que era esta a altura certa para a sua despedida. É o final da carreira de Dina “mas é uma festa”, diz-nos.
Os concertos
“Ele [Gonçalo Tocha] percebeu que no meio de tanta coisa que eu tinha, havia muita coisa boa. E insistiu que isto fosse feito. Quando ele falou nestes nomes todos, achei o máximo”, recorda-nos Dina. Gonçalo Tocha admite que, inicialmente, também só conhecia um dos singles da artista, apesar da sua banda ter feito uma versão do primeiro single de Dina, “Pássaro Doido”. Foi “ouvindo a sua discografia. Não conhecia o trabalho dela a fundo, ouvi porque ela me passou, conhecia como toda a gente conhece. O álbum, ‘Dinamite’, marcou-me muito.” E, a juntar a isto, também havia a pressão que a cantora sentia para “fechar a carreira de uma forma mais visível”. “Era preciso dar a hipótese de conhecer a sua obra a quem sempre lhe passou ao lado”, diz-nos Tocha.
22 Março – Teatro São Luiz, Lisboa – Entre €9 e €17; 24 Março – Teatro Rivoli, Porto – €10
Como quem se assoma aos concertos de 22 e 24 de Março de 2016-Dinamite - Concertos de Homenagem à Dina, - vamos, em tons de esmeralda (simbolizando o 40º aniversário de canções de Dina), concluir o percurso da discografia de Dina, em Retratos... Colaborações (de Dina em projetos de terceiros).
◊Colaborações de Dina em projetos de terceiros◊
●1980●
●Dina participa (voz falada) no single homónimo de Aníbal Miranda no tema "Don't Shoot":
●Dina participa nos coros do tema "Canção do Beijinho" (letra e música de Carlos Paião), de Herman José:
●1981●
●Dinapresta homenagem ao maestro José Belo Marques (Leiria, 25 de janeiro de 1898 — Sobral de Monte Agraço, 27 de março de1987) no programa E O Resto São Cantigas (RTP), com o tema "Grão de Arroz" (letra e música do próprio José Belo Marques), celebrizado na voz de Amália Rodrigues (1953).
●Dina faz a música "Fora da Lei" para as Doce (letra de António Avelar de Pinho), que pertence ao álbum É Demais:
●1986●
●Dina participa nos coros dos temas"O Paciente" e "Cerimónias" do GNR (LP Psicopátria):
●1988●
●Dina grava com e para Carlos Paião um dueto do tema "Quando as Nuvens Chorarem" (Single/LP Intervalo):
●1994●
● Dina faz a música "A Tua Pele" para Alexandra (CD De Viva Voz).
●Dina participa na canção do Pirilampo Mágico:
●1995●
●Dina participa na canção do Pirilampo Mágico:
●1996●
●Dina tem uma participação especial no tema "Fazes Falta", de José Alberto Reis (CD Mágoas):
●Dina participa na canção"Racismo Não". A venda deste CD reverteu a favor da AMI (Assistência Médica Internacional).
●Dina faz a música "Março Marçagão" para Paula Duke. Tema incluído na Banda Sonora da Telenovela Filha do Mar (TVI). [ Áudio ]
● 2002 ●
●Dina compõe para Lena d'Água "A Luz Que Eu Vi". Tema incluído na Banda Sonora da Telenovela Sonhos Traídos (TVI). [ Áudio ]
● 2008 ●
●Dina faz a música “Paraíso” para o Zé P. (CD Ilha dos Sonhos).
● 2011 ●
●Dina faz um dueto com Cassapo em “Só Tu” (CD 11):
● 2014 ●
●Dina, à convite dos TochaPestana, tem uma participação especial na versão destes do tema "Pássaro Doido" para o CD Música Moderna, tema este original do segundo single (1980) da cantora portuguesa Dina. Ficamos com o videoclip:
No ano em que Dina celebra 40 anos de carreira, vários artistas da nova geração musical portuguesa juntam-se para reinterpretar os temas do primeiro álbum da cantora, Dinamite, de 1982, para além de outras 12 canções compostas entre 1980 e 2000.
No dia 22 de março, Ana Bacalhau, B Fachada, Best Youth, Da Chick, D'Alva, Márcia, Mitó, Samuel Úria e Tochapestana homenageiam a obra da intérprete e compositora que encerra, nesta data, a sua carreira.
A este propósito, estivemos à conversa com Dina para saber como olha para a nova geração de músicos, mas falámos também sobre alguns dos seus êxitos do passado.
Começou muito cedo a sua vida de artista, chegou até a fazer teatro na escola. Recorda-se do momento em que percebeu que queria fazer da música a sua vida? Isso foi acontecendo, mas penso que foi na adolescência, quando se instala a insatisfação e nos refugiamos na música. Lembro-me que, quando fazíamos excursões na escola, mandavam-me sempre cantar a mim. Andei num colégio que tinha internato masculino e feminino, no Carregal do Sal, que apesar de tudo não era um meio tão fechado quanto isso. Havia um movimento estudantil, uma agitação nos cafés, e a música era central na vida dos adolescentes, ligava-nos. Na altura comecei a cantar e aprendi a tocar guitarra e foi assim que tudo aconteceu.
A Dina foi uma das pessoas que mais vezes deu voz a genéricos de novelas. O processo de composição de fazer músicas para um álbum ou para uma personagem é muito diferente? Na primeira novela da RTP fui convidada para cantar o tema de uma miúda problemática, mas o genérico era cantado pelo Samuel. A canção a que dava voz era um tema da Rosa Lobato Faria e do Vítor Mamede. Depois, na TVI, fiz o genérico de Telhados de Vidro, e ainda mais duas ou três canções. É um processo muito diferente. Gosto muito de fazer músicas propositadamente para um personagem. Adoraria fazer a banda sonora de um filme. É muito interessante pegar no perfil de um personagem e construir a música de acordo com as nuancesdele. Foi um trabalho que me deu muito gozo fazer, mas entretanto as coisas mudaram. As editoras começaram a usar as novelas para divulgarem álbuns que estavam para sair. E deixou de haver inéditos.
Em 1992 participou no Festival da Canção com um dos seus maiores êxitos, Amor de Água Fresca. Diria que esta canção foi um marco na sua carreira? Sem dúvida. Quis fazer uma canção para ganhar, e assim foi. A Rosinha (Lobato Faria) fez um cocktail de frutas muito engraçado… Considero que tenho dois ex-libris na minha carreira: Há sempre Música entre Nós, de 1981, que ainda hoje as pessoas conhecem, e Amor de Água Fresca que é transversal a várias gerações. É uma canção muito animada, muito fresca e que fala em fruta. Dá para fazer várias leituras dali [risos], é uma canção feliz, e, sem dúvida, um ícone.
Essa parceria entre a Dina e a Rosa Lobato Faria foi longa. Como era o vosso processo de trabalho? Lembro-me que quando estava a fazer o álbum Aqui e Agora, tinha uma canção sem letra (sou mais compositora do que propriamente letrista). Mostrei a canção à Teresa Miguel das Doce, que me sugeriu que falasse com a Rosa. Sempre fui um bocadinho distraída da vida, e na altura não tinha noção de que a Rosinha andava metida nesta coisa das canções. Entretanto combinámos e a Teresa levou-me a casa da Rosa. Houve logo uma empatia enorme, e ela fez a letra com a maior das facilidades. A canção acabou por se chamar Acordei o Vento. Gostei logo da letra e de dizer as palavras dela. Nasceu daí uma enorme amizade, nem podia começar a tocar uma música ao pé dela, que ela começava logo a pensar na letra [risos]. Foi uma pessoa que serviu muito bem as minhas canções e que faz falta a muita gente.
Juntamente com a Rosa Lobato Faria, compôs o hino de dois partidos políticos. Alguma vez se arrependeu de ter emprestado a sua voz à política? A única coisa que me magoou nesse processo foi que toda a gente reparou que eu dei a voz, mas no entanto toda a gente dava a cara e essas pessoas nunca foram questionadas. Lembro-me da Mafalda Veiga, do Pedro Granger, por exemplo. Isso incomodava-me um bocado, porque eu queria era que falassem da minha música. Somos cidadãos como outros quaisquer, temos direito a ter as nossas convicções. Não diria que estou arrependida, mas tinha feito as coisas de forma diferente, até porque fui muito penalizada por isso.
No dia 22 de março, é homenageada no São Luiz por Ana Bacalhau, B Fachada, Best Youth, Da Chick, D'Alva, Márcia, Mitó, Samuel Úria e Tochapestana. Como é que olha para esta nova geração de músicos? O que eu gosto nesta gente é o facto de serem descomprometidos com o sistema, ao mesmo tempo que são muito comprometidos com o seu trabalho. Quando o Gonçalo Tocha me apresentou esta ideia, pensou logo numa homenagem, não com gente da minha geração, mas com gente desta nova geração de músicos. Gente que conhece e que gosta do meu trabalho. Quando conheci o B Fachada ele trazia o meu primeiro disco, em vinil. Lembro-me de lhe ter perguntado se ele conhecia o álbum, ao que ele me respondeu: ”conheço muito mais de ti do que tu de mim”. Fiquei orgulhosa, o B Fachada é um personagem. Por arrasto veio esta malta toda… Por exemplo, acho que o Samuel Úria tem um bocado da minha 'cena'. Não digo que tenham ido beber à minha música, mas sabem quem eu sou, conhecem o meu trabalho e agradou-lhes a ideia de fazer este espetáculo.
Conhece as versões que eles vão fazer ou vai ser uma completa surpresa? Como intérpretes e autores que são é natural que deem o seu cunho pessoal. Aliás, basta abrirem a boca para a música já não ser minha, passa logo a ser deles. Estou muito curiosa e ansiosa por ver as minhas músicas serem cantadas por esta malta toda [risos]. Vou estar em palco com eles a tocar. À partida também cantarei uma ou duas canções vamos ver…
Este concerto marca o encerramento da sua carreira. Sente que está na altura de dar lugar aos mais novos? Exatamente por ser o encerramento da minha carreira é que faço questão de estar em cima do palco. Não tem a ver com isso, o que acontece é que tenho um problema de saúde que não me permite continuar a cantar. Tenho fibrose pulmonar há nove anos e isso limita-me enquanto cantora. Não posso estar em cima de um palco a tossir, simplesmente não dá. Mas vou terminar com chave de ouro, com esta malta toda a cantar as minhas músicas no São Luiz.
[por Filipa Santos | fotografias de Francisco Levita/CML-ACL]