Ondina Maria Farias Veloso, Ondina Veloso ou Dina | Mulher | compositora autodidacta | cantora com um timbre ímpar e facilmente identificável | instrumentista (guitarra) | interactiva | confortável em vários estilos musicais, mesmo opostos e improváveis | vanguardista e pioneira | empreendedora | uma referente scat singing* | humanitarista | artivista de várias causas | trato maternal, transparente, humilde e de voo altaneiro | e mais, muito mais | aqui, agora e sempre.
Hoje fazemos Memória do sexto aniversário da Primavera Eterna da Cantora e Compositora Dina.
É bastante redutor afirmar que Dina só cantou emoções. Dina fez, igualmente, eco dos Direitos Humanos, com emoções à flor da pele, sim, mas com o foco na Liberdade, no Empoderamento na Igualdade - o Amor no seu estado mais puro. - Estas lutas foram um imperativo ético na Vida de Dina!
O legado de Dina é amplo e diverso e aí podemos encontrar também a sua humildade e o seu trato maternal. Dina era/é uma Mulher preciosa e de voo altaneiro!
Dina começa a sua Vida de canções em 1975: grava o seu primeiro EP, Viva a Liberdade, e apresenta no programa da RTP Nicolau no País das Maravilhas a canção 'Inocência', um poema de António Gedeão que a própria Dina musicou e percorre essencialmente as regiões das Beiras com os Quinteto Angola. Durante cinco décadas Dina nos brinda com inúmeras canções, nos mais diversos géneros musicais, mas sempre, sempre com o seu estilo muito próprio e inconfundível. Em 2019, aos 62 anos, uma fibrose pulmonar idiopática (que a acompanha desde 2006) ceifa a vida de Dina, mas as canções, essas, continuam e hão-de continuar vivas, enquanto este Planeta girar.
Em 2025 cumpre-se 50 anos da múltipla primícia de Dina!
[1]
Dina já tinha chamado a atenção ainda na escola, onde participava em festas a cantar, acompanhada da sua guitarra, da qual já se tinha tornado inseparável. Com o fim da Guerra Colonial e a chegada de "Retornados" e refugiados a Portugal Continental, surge em Carregal do Sal, terra natal da Dina, o Quinteto Angola, ao qual a nossa Dina se integra, sendo o sexto elemento deste Quinteto e com o qual percorre sobretudo a região das Beiras, enfrentando um maior e diverso público. O Quinteto Angola era essencialmente um grupo de “música de baile”, mas a parte da actuação de Dina chamava a atenção dos presentes e aquilo transformava-se em um concerto, já que toda a gente parava para a ver e ouvir cantar, também por ela ser uma mulher (coisa rara na época e para mais fora de Lisboa!), sendo que aí surgem as suas primeiras composições, com esse seu timbre ímpar – ‘Pássaro Doido’ é uma das que nasceu no tempo do Quinteto Angola, mas cantada em inglês.
[2]
Possivelmente com os trocos que ganhou dos primeiros concertos com o Quinteto Angola, Dina grava a solo um EP em 1975 (ela teria os seus 18 ou 19 anos). Por não ter sido bem informada, Dina foi para as gravações só com 3 canções preparadas (uma com música e letra da sua autoria mais dois Poemas de Autor que Dina musicou). Os responsáveis da editora pediram-lhe se Dina sabia mais alguma canção, ao que ela respondeu “sim, mas não é minha”, sublinhou. Eles ficaram encantados com essa sua versão da canção que responderam que não há qualquer problema em não ser um original dela. Foi essa mesma canção que acabou por dar título ao seu primeiro trabalho, já que era conhecida a versão original, que era do Tino Flores. Este, mais tarde, revelou que gostou da versão de Dina da sua canção. Esta canção o Tino a gravou mais do que uma vez, com variações na letra em cada gravação. Como curiosidade, Tino Flores também fez parte da Editora-Cooperativa UPAV, na qual Dina lançou o Lp e CD ‘Aqui e Agora’ (1991) e os singles ‘Amor d’Água Fresca’ (1992).
Eis as 4 canções incluídas neste seu primeiro trabalho discográfico, sob o nome de Ondina e com o título 'Viva a Liberdade':
Lado A A1 - 'Viva a Liberdade' (Tino Flores) A2 - 'Porquê' (Ondina Veloso)
Lado B B1 - 'Inocência' (Ondina Veloso/António Gedeão) B2 - 'Meu Limão, Meu Limoeiro' - (Ondina Veloso/Fernando Pessoa)
Nesse mesmo ano de 1975 Dina decide também debutar na televisão, mais concretamente na rubrica "Lugar aos Novos" do programa “Nicolau no País das Maravilhas”, contactando pela primeira vez com as câmaras e os rebuliços próprios nesse ambiente. Neste programa, de e com Nicolau Breyner (falecido em 2016 na sequência de um ataque cardíaco, aos 75 anos), ganhou fama as rábulas “Senhor Feliz e Senhor Contente”, em que o Nicolau contracenava com um Herman José a dar os primeiros passos na televisão. No programa, Dina apresentou-se como Ondina e interpretou ‘Inocência’, que abria o lado B do seu EP, seguramente dedilhando a sua guitarra. Eis o Poema de António Gedeão - 'Forma de Inocência' - que Dina musicou e apresentou na televisão com o título ‘Inocência’:
Hei-de morrer inocente
exactamente
como nasci.
Sem nunca ter descoberto
o que há de falso ou de certo
no que vi.
Entre mim e a evidência
paira uma névoa cinzenta.
Uma forma de inocência,
que apoquenta.
Mais que apoquenta:
enregela
como um gume
vertical.
E uma espécie de ciúme
de não poder ver igual.
Finda a actuação, Dina teve o olhar de críticos que a elogiaram na imprensa. Dina anima-se a gravar um outro EP no ano seguinte, 'Madrugada', com mais 4 canções: 3 com letra e música da sua autoria e um Poema de Fernando Pessoa musicado pela própria. A Música preenchia a Dina e ela sentia cada vez mais que havia um público que se identificava com a sua forma de interpretar e com a sua música... Era este o caminho que Dina queria percorrer na sua Vida, definiu com inocência; conspirações, traições, ódio e outras forças obscuras por parte dos "responsáveis" da área musical atacaram a Dina (como a muitos dos seus colegas nesta área e noutras da Cultura), mas o seu público não, este era-lhe fiel, pois a Música de Dina eleva e encoraja a viver a quem a ouve.
O imperativo ético de Dina é o artivismo, tendo como ‘leitmotiv’ (do alemão, motivo condutor/recorrente) o Amor e tudo o que isso abarca, com uma visão positiva da Vida e plena de humanismo. Uma vez que não temos este EP, desconhecemos o conteúdo das letras (excepção feita à canção ‘Inocência’, acima exposta), mas seguramente é por ter pelo menos a canção ‘Viva a Liberdade’ do Tino Flores, que este trabalho de Dina, o seu primeiro, é considerado aquilo que se denomina de um “disco pós-25 de Abril”… E Dina/Ondina uma das VOZES DA LIBERDADE, no sentido mais amplo e puro do termo.
Nota zDm 1 - Pensamos que a edição do EP de Dina é anterior à apresentação desta na televisão com o tema ‘Inocência’, uma vez que se fosse o oposto seria lógico o EP denominar-se ‘Inocência’ e ser esta a canção a abrir o mesmo.
Nota zDm 2 - A ver se ao longo deste ano a RTP disponibiliza no seu arquivo online, pelo menos, a actuação de Dina/Ondina com ‘Inocência’. Ainda nos questionamos o porquê de Dina não estar incluída na secção "Coleções" daquela Página, já que a RTP tem muito material de Dina... Fechado a sete chaves, censurado(?).
Nota zDm 3 - Este ano seria uma boa altura para ser reeditado e dar a conhecer ao grande público, pelo menos, os 2 EPs de Dina, devidamente trabalhados.
O postal musical para esta quadra é uma canção com uma onda de Amor e Vida, uma onda de Força e Energia, uma onda de Luz, uma onda de Empoderamento e uma onda Musical aprazíveis:
Hoje é o Dia Mundial da Luta Contra a SIDA e, pelo 32º ano, realiza-se a Gala Abraço no teatro S. Luiz pelas 20h00, na Sala Luís Miguel Cintra. Uma Gala que apela à Diversidade, mas peca pela ausência de diversidade, já que não há presença de Drag Kings, entre mais.
Na recente série Fellow Travelers, aparece algumas vezes a Stormé DeLarverie, que cantava num bar como Drag King. A mesma série aborda a temática da SIDA, onde, lembramos, as mulheres lésbicas saltaram para a frente de batalha, doando sangue em massa, visitando os doentes de SIDA que estavam tirados para a solidão, tirando-lhes a culpa e dando-lhes afecto!
Em 1991, Dina edita o LP Aqui e Agora, onde está a canção 'A Ilha do Tesouro (Sair Daqui)', que diz "não foi para morrer que nós nascemos" e "não sou rês para este matadouro", uma referência à SIDA e a aquilo que nos aprisiona, apelando à esperança e força de vontade para soltar amarras desse "cais".
Dina no Festival da Canção 1992, em que saiu vencedora, interpretou a canção 'Amor d'Água Fresca' com um lenço verde ao pescoço, simbolizando o Meio Ambiente,... mas pode ter uma leitura 'queer', ao fazer referência ao cravo verde que usou Oscar Wilde numa apresentação pública,... mas o verde do lenço/laço está igualmente ligado à consciencialização das doenças sexualmente transmissíveis, que inclui o VIH/SIDA.
Em 1987 Dina aceitou o desafio de cantar Fado pela primeira vez, com o tema 'Ouve Lisboa' de e com o fadista Vasco Rafael, em um programa do Joaquim Letria. Dina consegue transmitir vocalmente a essência do Fado, apesar de, com muita pena e vergonha alheia, o instrumental não ser o habitual do Fado de então (orçamento nulo do programa e da televisão pública). Algo que se tornou moda há vários anos à esta parte é chamar de Fado ao que não soa a Fado, vocal e instrumentalmente falando - salva a honra do convento o Fado de Coimbra (por enquanto)! - Eis o vídeo do dueto invocando, de viva voz, 'Ouve Lisboa' (a experiência nunca foi editada discograficamente):
Estamos às portas daquele que é, por tradição, o Dia (2 de Novembro) de celebrar aquelas e aqueles que já partiram deste Mundo e que deixaram, em quem por cá ainda anda, um vazio cheio de Saudade, mas também uma plenitude de Memórias de bons momentos partilhados. Dina é uma dessas ausências que se fazem notar, que faz falta à família, amigos, fãs e também à Cultura deste Portugal e às suas gentes, que, com a sua personalidade, atitude na Vida e estilo ímpar, abriu visões e criou consciências para o Amor, a Liberdade e o Bem Comum.
Dina não era indiferente ao que a rodeava, tinha um coração maternal pleno de Humanidade, oposto à passividade e ao conformismo. Dina não foi em vida água parada e choca, foi uma constante onda tsunámica completamente solta e livre que agitou/agita mentes adormecidas. Dina faz parte da Identidade Nacional de Portugal, para a qual em muito contribuiu e ergueu a voz!
Também hoje, neste tríduo de Primavera Eterna,a ausência de Dina faz-se presença e damos o reconhecimento à esta Cantora e Compositora universal (Ondina Veloso) e recordamos o seu sorriso, a sua Vida, o seu timbre único e a sua Música, sempre em nós e entre nós.
Nota zDm: Intrinsecamente, também lembramos aquelas pessoas que colaboraram com Dina de alguma forma e que também já partiram fisicamente: Rosa Lobato de Faria, João Falcato (sobrinho de Dina), Luís Filipe [Aguiar], José Mário Branco, Armando Gama, Carlos Paião, Vasco Rafael,...